17/06/24

Filme: O Lado Selvagem


“O olhar de um rebelde, que nos prova ser ainda possível inventar ou pelo menos reinventar o cinema” “O resultado é uma saga fascinante sobre o (im)possível regresso à natureza, com um excelente Emile Hirsch no papel principal” - João Antunes, Jornal de Notícias.

Com o título original “Into The Wild” foi escrito e realizado por Sean Penn, com os actores principais: Emile Hirsch, Marcia Gay Harden, William Hurt.
O Lado Selvagem é inspirado numa história verídica de Christopher McCandless (Emile Hirsch), um jovem que abandona a sua vida de conforto para procurar a liberdade total na estrada, uma viagem que o leva até ao lado selvagem do Alasca e ao seu maior desafio.

O Lado Selvagem retracta na primeira pessoa a vida de  Christopher McCandless protagonizada brilhantemente pelo actor Emile Hirsch. Com 22 anos de idade e com o curso universitário terminado, resolve deixar os privilégios socias de pertencer a uma família com poder económico e de prestígio social, e ir à aventura em busca de si próprio. Este filme é uma viagem ao mais recôndito que a natureza humana têm, o voltar à natureza que o tem afastado através da evolução humana. Transforma-se para nós que vivemos no pseudo conforto da sociedade ocidental, num vagabundo que não se identifica com os padrões que a sociedade tomou. Com a experiência dessa aventura ele descobre as suas capacidades, ultrapassando obstáculos e conhecendo pessoas que vivem nos confins da outra realidade americana ou toda aquela que está fora das grandes metrópoles. Nesses locais ainda é possível conhecer gente honesta sem qualquer tipo de interesses, e onde prevalece a amizade. Ser vagabundo acaba por ser também uma opção emotiva para muitos que ambicionam liberdade, mas que são incapazes de sair do seu casulo cómodo.

O Lado Selvagem começa com uma citação poética de Lord Byron:
Há um prazer nas florestas desconhecidas;
Um entusiasmo na costa solitária;
Uma sociedade onde ninguém penetra;
Pelo mar profundo e música em seu rugir;
Amo não menos o homem, mas mais a natureza.

Esta entrada é sobretudo um aviso à navegação dos espectadores, preparando-os para o que se vai desenrolar na tela. Como todos os filmes,  é um filme para pessoas que pensam, mas que pensam mesmo pela sua cabeça e não pela das outros. Porventura outros não encontrarão mais nada senão um delírio de um estudante que só teria era que aproveitar a vida que tinha pela frente. Nada mais egoísta para assim pensar, mas, cada um tem o seu livre arbítrio, e pode efetuar as escolhas que acha que lhe são úteis, desde que não prejudique todos os outros, o que não acontece na grande maioria dos casos. A ditadura das maiorias perante as minorias é uma farsa social que só comtempla mesmo os farsolas ditadores. A vida, tal como a conhecemos é uma mentira, bem evidente e salientada pelo protagonista principal e aventureiro. Diz ele não preciso de dinheiro, torna as pessoas cautelosas. O dinheiro é sem dúvida uma das monumentais invenções humanas, que como tudo na vida tem o seu lado bom e o lado mau. Sendo que a meu ver o lado mau é muito superior. Torna as pessoas escravas da vida e dos interesses económicos e financeiros de um país. Christopher McCandless, cita Thoreau, “mais do que o amor, do que o dinheiro, do que a fé, do que a fama, do que a justiça, dêem-me verdade”. E daí ele referir que vivemos uma vida com base na mentira. Algumas pessoas julgam que não merecem amor. Retiram-se silenciosamente para espaços vazios, tentando fechar, a comunicação com o passado. Sublime esta passagem, testemunha desta situação na primeira pessoa e de outras pessoas, muitas vezes é um recurso adjacente para não ferir ninguém, quando a maioria de nós se fere nesse refúgio. Às vezes é necessário romper com situações nefastas. Christopher McCandless, viveu toda a sua adolescência no seio de uma família em que o pai e mãe viviam numa relação de violência doméstica, na maioria das vezes presenciada pelo Christopher e pela irmã. Tantas relações destas que temos por aí que dizimam a intelectualidade de cada um, destrói afetos, abre caminhos destrutivos para uns, alternativas vãs para outros, com sequelas pela vida fora. As únicas oferendas do mar são duros golpes, e a oportunidade ocasional para nos sentirmos fortes, não sei muito sobre o mar, mas sei que aqui é assim. E também sei, que na vida, o mais importante não é necessariamente sermos fortes, mas sentirmo-nos fortes. Colocarmo-nos, pelo menos uma vez, nas maiores condições humanas. Enfrentar sozinhos a rocha cega e surda sem outra ajuda que não a das nossas mãos e cérebro. O mais importante não é sermos fortes, mas sentirmo-nos fortes. É um facto a ambivalência desta observação, reveladora que num mesmo patamar de reflexão podemos ver dois horizontes distintos, em que um deles de facto, é a porta aberta para prosseguir e descobrir conhecimento. Na vida, nesta vida era útil que cada um despertasse por si mesmo e não pelas cartilhas instituídas pelo poder de condução do rebanho, em que todos nós somos as ovelhas desse mesmo rebanho. Se alguma delas se revoltar será abatida no imediato, sendo que todas as outras serão abatidas quando forem substituídas pelas novas crias. É assim que que se vive e vivemos neste inferno de vida. Sociedade!!! Porque saber o que não entendo? Não entendo porque raio as pessoas são tão más umas para as outras tantas vezes. Não faz sentido, para mim. Julgam os outros. Controlam. Tudo isso, o leque todo. De que pessoas estamos a falar? Pais, hipócritas, políticos, cretinos. Esta passagem de diálogo é o reflexo da vivência do protagonista no seio de uma família e sociedade que vive no faz de conta e se está a marimbar para os excluídos ou os que são diferentes. Conduzem as suas vidas para que os outros os possam apontar com aparentes exemplos mascarados de virtude. Se admitirmos que a vida humana pode ser regida pela lógica, a própria possibilidade de vida é destruída. É revelador que esta passagem com conteúdo filosófico admirável, o que não é esta vida senão uma lógica materializada num gabinete de quatro paredes onde se germina a orientação de uma sociedade, sem a intervenção das pessoas? Ou esquecem-se que somos todos potenciais criadores do futuro? Com certeza que muita coisa mudaria. Somos todos protagonistas na vida para a vida, porque razão temos que ser excluídos da e na nossa vida? O Lado Selvagem é um murro no estômago para os que estão cientes na inércia e da lógica desta sociedade cheia de estereotípicos, mas não encontra espaço em gente insensível habituados a viver no meio de aparências e da mentira. São umas marionetas, que despidas, nada sobra, nem para alimentar uma fogueira pelos perigos de contaminação. E quando se pensa mais do que se quer, os pensamentos sangram. Diria, também que incomodam quando os libertamos, mas às vezes os resultados ficam por conta do chamado papel dos mártires, normalmente só reconhecidos por gente que nasce noutro século. …mas sim pessoas amaciadas pela reflexão forçada que a dor trás. A dor e Deus são assuntos abordados com grande intensidade em O Lado Selvagem, acompanhada de uma excelente banda sonora que nos cala e incomoda no silêncio das imagens. Quando queres alguma coisa ma vida, tens que a agarrar… Necessariamente todos nós deveríamos se culturalmente educados e formados nesta simbiose do esforço individual à procura das suas capacidades inatas. Observamos à nossa volta e verifico que isto não passa de uma ideia utópica ou quanto muito ser classificada demente. O Lado Selvagem, para além de ser um desafio aos obstáculos da vida, é também um hino aos afetos, aos verdeiros afetos sem interesse, puros, daqueles que vão escasseando com a cada vez maior materialização da sociedade. Também evoca silêncios, muitos silêncios, quando muda a tela ainda o nosso pensamento está a processar a anterior. O filme é sobre pessoas para pessoas. As carreiras são uma invenção do Seculo XX. Christopher McCandless, o disse na primeira pessoa. Aluno com médias de 20 valores seria um brilhante catedrático a engrossar com certeza alguma elite que faria dele um instrumento de manobra científica, económica, etc. Os excluídos, aqueles que não passaram dos primeiros anos escolares, serão classificados de marginais, os que embrutecem pelo trabalho escravo, que vivem no seio do alcoolismo ou da prostituição. Devia mudar radicalmente o seu estilo de vida! A essência do espírito humano vêm de experiências novas. Esta passagem, nada tem de subjetiva. Bastante efetiva, porque disso posso falar à vontade. Esse é chão que conheço muito bem. Considero-me um aventureiro teórico incapaz de sair do lugar onde me encontro com a urgência de respirar outros ares. Quando o fiz, senti isso mesmo, observar vivências novas, das poucas vezes que saí de Portugal, com idas ao Brasil, Marrocos e Açores. Todos nós necessitamos de vivenciar outras vidas, outras realidades, experienciar outras fronteiras. …se pensa que a felicidade na vida provém principalmente das relações humanas, Deus colocou-nos a toda a volta. Está em tudo. Tudo o que pudermos experimentar. As pessoas só precisam de mudar a forma como veem essas coisas. A espiritualidade também está neste filme, embora abordada de forma ténue. Basta um ou outro diálogo para que ele seja contextualizado no filme todo. É um facto que não só as pessoas fazem parte da equação, mas também tudo o que está à nossa volta, o mar, a floresta, o ar, os outros animais. São agentes vivos e essenciais que fazem o Planeta girar neste universo, embora a maioria dos humanos nem disso tem consciência, de tão absorvidos que andam com as suas “coisinhas” de vida. Nem sequer entendem a grandiosidade de tudo o que nos cerca, e que deveria merecer muito mais respeito, como é o caso das alterações climatéricas por via de comportamentos nefastos do homem. Quando se perdoa, está-se a amar. E quando se ama a luz de Deus brilha sobre nós.  Esta passagem vinda de um diálogo sobre a família do protagonista, é sintomático. Parece aquelas coisas de novelas ou de brejeirices populares. Mas o que faz a guerra? É a falta de amor. Não é preciso arranjar outro tipo de desculpas. Todos erramos na vida, todos temos que ter oportunidade de erguer, de descobrir a sua própria natureza sem estar condicionada a reprovação social. Às vezes existem aqueles dias “que se foda tudo”, quando se está desesperado. Ser vagabundo é notoriamente uma boa alternativa à selva das sociedades. Em O Lado Selvagem, esse aspecto está muito bem explorado, com a vida de miséria nas grandes metrópoles até ao simples roupa de etiqueta num emprego para ganhar uns trocos para alimentar a aventura de ir para o Alasca. Todos nós somos protagonistas da nossa própria história, ela fica inscrita na biblioteca do tempo, é o testemunho das diversas passagens que temos em várias vidas. Pelo menos assim considero porque acredito na encarnação. É demasiado evidente para não ignorar. A felicidade só é real quando partilhada. A felicidade que tantos falam, é hipoteticamente enganadora, alimentada artificialmente por símbolos criados de forma ilusória. Ser feliz, é ser genuíno, ser verdadeiro, viver a pureza dos sentimentos. O resto é paisagem para consumo de prazeres. Sou feliz enquanto te estou a “foder”, e depois descarta-se e vai-se buscar outro quantum de felicidade à esquina de prostíbulo. As coisas estão completamente descaracterizadas, e daí tanto problema que está à nossa volta que é um sufoco.
O Lado Selvagem, é um filme excitante de reflexões, de conclusões. Mas o protagonista  Christopher McCandless, morreu no final do filme. Deixou o legado escrito nos seus diários. Dou-me a pensar se continuasse vivo o que teria sido? Casado com uma rapariga que conheceu e que ficou à espera dele um dia?… Mas morreu, ficou a sua história, que se vai perdendo no tempo, que ficou materializada neste filme. Afinal o mundo continua exatamente na mesma como ele o deixou. Com os mesmos problemas. O mundo continua uma autêntica aberração. O Homem não se tem entendido com a Natureza e a Natureza vai dando respostas ao homem. E mesmo assim continua burro sem desprimor aos burros.    

Nota: O texto em itálico, foi retirado dos diálogos do filme.
Texto inspirado ao som de Shanty Deeep.



«««»»»


Christopher McCandless (em vida)
«««»»


«««»»


Sem comentários: