17/09/24

Zetho Cunha Gonçalves


Em 17 de Setembro realizou-se  mais uma sessão de Diga 33 – Poesia no Teatro. Zetho Cunha Gonçalves foi o poeta convidado. Nascido na cidade do Huambo, Angola, a 1 de Julho de 1960, coligiu recentemente o seu singularíssimo labor poético num volume intitulado “Noite Vertical. Poemas Reunidos (1979-2021)”, galardoado com o I Prémio dstangola/Camões. Poeta, autor de literatura para a infância e juventude, ficcionista, organizador, antologiador e tradutor de poesia, está traduzido em diversas línguas. Na sua poesia ressoam os ensinamentos da ancestralidade, marcada que está por um intenso e apaixonado trabalho de transversões da tradição oral e da chamada poesia primitiva de várias latitudes, com especial incidência nas tradições angolana e moçambicana.

A poesia não é de agora, nem sequer desses tempos em que Gutenberg revolucionou a palavra impressa. Anterior às edições em pergaminho e papiro é a poesia. Se aceitarmos que o “Épico de Gilgameš” é o mais antigo livro de que há memória, então a poesia já se fixava em placas de barro na escrita de babilónios e assírios. Mas estamos em crer que também anterior a essas doze placas, conservadas em assépticas salas de museu, era já a poesia. Há toda uma tradição oral que nos remete para os tempos primitivos da arte poética, essa arte de dizer como tudo pode ser outra coisa. Como tudo é outra coisa.

Octavio Paz interessou-se pela ancestralidade do poema, perscrutando a herança cultural mexicana para na sua matriz entender melhor a liberdade hipotecada pelos contemporâneos. Henri Michaux sentiu-se arrebato por formas distantes no tempo e no espaço, buscando-as nos ideogramas chineses, no hinduísmo, no ascetismo místico. Por cá, Herberto Helder incluiu na sua “Poesia Toda” um “O Bebedor Nocturno” repleto de enigmas e de mistérios ancestrais e “As Magias” respigadas entre uigures, pigmeus, dincas, comanches, etc. Entre nós, neste tempo rendido à religião tecnológica, ninguém como Zetho Cunha Gonçalves tem levado tão a sério o mergulho na «força imagística e sage» da traição oral, na sua extraordinária atemporalidade e beleza. É com ele que vamos falar no próximo Diga 33 – Poesia no Teatro.

Zetho Cunha Gonçalves (Huambo, Angola, 1960) passou a infância e a adolescência no Cutato, pequena povoação na Província do Cuando-Cubango a que chama a sua «pátria inaugural da Poesia». Estudou no Colégio Alexandre Herculano, na cidade do Huambo, e Agronomia na extinta Escola de Regentes Agrícolas de Santarém. Poeta, autor de literatura para a infância e juventude, ficcionista, tradutor de poesia, exerceu variadíssimas profissões. Foi coordenador da página literária «Casa-Poema da Língua Portuguesa» no jornal Plataforma, de Macau, e da secção cultural da revista África 21. É membro da União dos Escritores Angolanos. Traduzido em várias línguas, tem participado em colóquios e encontros literários de vários países. A ele devemos também um relevante trabalho de organização das obras poéticas de outros autores, de que são exemplo “Uma faca nos Dentes”, de António José Forte, ou a “Obra Poética 1953-1993”, de Luís Pignatelli. Em 2018, o seu nome foi proposto para Prémio Nobel de Literatura. Em 2019, “Noite Vertical”, obra publicada em 2017, foi galardoada com o I Prémio dstangola/Camões. A sua obra está reunida no volume “Noite Vertical. Poemas Reunidos (1979-2021)”, edição da Maldoror, Lisboa, 2021.

Com Zetho Cunha Gonçalves vamos falar do seu singular percurso poético, das aproximações possíveis à ancestralidade, da Angola de infância, da sua relação mais ou menos próxima com os autores invocados nos poemas em prosa de “A Labareda Inconspurcável”, desse trabalho minucioso e criativo que consiste em trasladar da tradição oral para uma forma fixa aquilo que é “Sem Remédio” (Tradição oral engouda): «Sem remédio / é a velhice. // Porém, / a nenhum desmemoriado / se lhe olvida — a boca.»


Texto e fotos: ARRE - Teatro da Rainha - Caldas da Rainha



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