29/09/22

Uma Abelha na Chuva


 O romance “Uma Abelha na Chuva” foi escrito em 1957 por Carlos de Oliveira (1921/1981). Foi uma das obras obrigatórias nos programas escolares até ao final da década de 1990. Desde aí caiu num coma literário profundo, tão característico na literatura portuguesa em que esquecemos os nossos, e idolatramos o que é estrangeiro, seguindo os modismos da temporada. Embora me lembre de o ter lido nessa época de estudante, foi bastante agradável voltar a reler, e fiquei surpreendido pela positiva. De estilo novelístico, este romance retrata e bem, de uma forma humilde os meandros das vidas rurais e suas personagens tão características de uma aldeia perdida nos confins e afastada das ditas urbes intelectuais. Palco fértil, em que todos quase sabem da vida uns dos outros, onde o drama e a tragédia são alimento propício para uma ruralidade em putrefação. A trama localiza-se na aldeia de Montouro, concelho de Corgos, perto de Cantanhede. A descrição de um homicídio de uma forma tão simples e muito vulgar em Portugal nessa época, associado a uma terna cena amorosa no curral, em que alguém trai alguém, em que alguém promete amor a alguém, em troca de favores. Dou-me a pensar na futilidade mórbida nesta descritiva, onde a censura da época deixou passar. Enquanto o povo tivesse entretido com questões privadas, não observava a negritude da política e o perigo que isso podia trazer para a chamada estabilidade nacional. Que imagem tão negra de um Portugal esquecido nos confins da Europa. São trinta e cinco capítulos curtos de fácil leitura que nos leva a refletir a vida social das pessoas e seu quotidiano, com as suas ideias, resultantes de uma cultura secular, das suas ambições desmedidas, com consequências indetermináveis que lesam a vida individual e coletiva de uma comunidade que pode perdurar no tempo. Infelizmente continuamos a viver os resquícios desses tempos. Os cemitérios não se apagam da memória de um dia para o outro. 

© João Eduardo


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