05/10/22

Teatro: Os três irmãos


Trabalho com movimentos, e não com palavras, o que vai tornando progressivamente difícil escrever sobre os meus espectáculos. Mas uso muitas vezes as palavras como ponto de partida, como meio e até como fim. Acabo quase sempre por retirá-las da boca dos intérpretes, ou por calar os autores. Desta vez não: as palavras de Gonçalo M. Tavares estão presentes e surgem no espectaculo para serem lidas, não ditas. A força da sua presença é por isso diferente – são palavras que não se ouvem, mas que conduzem o espectador.

Victor Hugo Pontes (Direção Artística)


Foi no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria que pude presenciar a peça “Os três irmãos”. Numa sala a meio gás de espectadores, ainda assim valeu a pena observar o trabalho em palco de três excelentes actores que encarnaram muito bem o texto escrito por Gonçalo M. Tavares. Depois das luzes apagadas, todos os sentidos se concentram num palco inclinado, onde se passa toda a tragédia familiar da morte. O que se vê é toda uma coreografia de corpos em movimentos contínuos, onde povoam espaços de silêncios, outros de música inteligentemente bem conseguida para que ficássemos cada vez mais atentos ao que se ia passar a seguir a cada representação. Esta representação em palco obriga a um duplo exercício, olhar em direção ao cenário de palco e ao mesmo tempo seguir a legendagem num pequeno dispositivo electrónico pendurado no tecto. Não se ouvem palavras com os ouvidos, vêem-se palavras com os olhos. Esta forma de narrativa, obriga-nos a estar atento a todos os movimentos que surgem no horizonte de todos os sentidos. Para além de quase tudo, o que me impressionou foi o ritual de morte e funeral simbolizado em torno de uma banheira de água onde os irmãos se lavaram, e no seu transporte pelo palco. 

João Eduardo


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