23/10/22

Toque Suave


 

Toque Suave, um cliché homoerótico, de Francisco Pascoal que nos informa ao que vem: “este livro é para adultos e descreve cenas sexuais explícitas”, logo na viragem da página 4. Mas é pelo lado de fora, ou seja, na contracapa que tem um pequeno texto descritivo do que constitui o presente livro: “Este livro explora vários clichés do estilo homoerótico e constrói arquétipos de jovens homossexuais do século XXI. É possível ler-se, neste romance, uma crítica ao conceito de amor em Platão”. Só esta explicitação é quanto baste para ficar a imaginar o que está lá dentro. São 21 capítulos na sua maioria de pura ereção. Isso mesmo.  E não é preciso entrar em transe para se sentir quase identificado com aquela realidade, sobretudo se o leitor for homossexual. Aos outros pede-se respeito porque afinal a sua heterossexualidade também envergonhará muita família chamada exemplar. É que a grande maioria tem telhados de vidro, pelo que não estão isentos de inocência. Porventura alguns vão-se sentir autobiografados sem, contudo, terem contado nada a ninguém. Mas, Francisco Pascoal desempenha bem o papel de contar o que vai na real das vivências humanas, não importa até a idade em que as mesmas se passam, apesar deste romance se passar numa determinada faixa da adolescência.  O líquido que se move na maior parte do cenário, é a água de uma piscina onde mergulham corpos que inspiram e fazem sonhar num redopiar de fantasias e mais fantasias por corpos quase impenetráveis ao toque, povoadas de espectativas por parte das personagens construídas.   No imaginário veneram-se corpos bem constituídos, esbeltos e musculados, que são um bom elixir para preencher os momentos mortos da vida, enquanto se espera acontecer. Enquanto não acontece, imagina-se, e imaginação é o que não falta neste romance cujo título “Toque Suave” já por si nos dá um caminho que só através da leitura se pode descobrir se o mesmo se fica mesmo pelo suave.  Depois do toque suave, devoram-se corpos escaldantes de desejo, onde se explora as carências emocionais tão características da condição humana e sobretudo, mais ainda mais do meio gay. Surgem pelo caminho inquietações e frustrações de personalidade, quando o objeto de desejo afinal é momentâneo, efémero, descartável. 

As pessoas só querem desfrutar da propriedade do corpo enquanto tiver sabor e se associado a fama, torna-se o objeto apetecível, mas quando algo diferente aparece, sem escrúpulo, descarta-se e muda-se de hospedeiro onde povoam novas fantasias e de prazeres sem limites. A autoestima alimenta-se de egos desmedidos. A vulnerabilidade está a cada esquina, quando não se tomam medidas de equilíbrio. As relações são fúteis, e caracterizam-se por serem temporárias. No universo das personagens, povoam as ironias provocatórias e consentidas e ou premeditadas, consoante os interesses de cada personagem.

Procura-se construir a normalidade das relações eróticas e não só. Os preconceitos não empestam o conjunto das relações do romance, mas por outro lado, ajudam a corroer amizades malsucedidas.

Personagens que alimentam as dúvidas, cheias de indecisões, de apegos imaginários, e outras que são decididas, espontâneas, que concretizam com naturalidade os seus objetivos e são aglutinadores de grupo. 

Neste romance também se explora o caminho a tomar acerca da sexualidade sem constrangimentos. Os adolescentes estão na mesma página de vida, por isso partilham as intimidades e aventuras com a maior naturalidade, sem se importarem muito com o mundo que os rodeia, não os incomoda o que pensam deles.  Também impera o Universo dos fetiches, muito escondido na sociedade em geral, mas que neste romance surge povoado de naturalidade. Quem não tem os seus?

Vive-se, vivendo sem medo de ficar na solidão, basta ter amigos, sobretudo os que ficam para a vida. Temos também a exploração da ingenuidade de comportamentos promíscuos que resultam na contaminação da personagem principal, onde gira toda a história do romance. No melhor pano, cai sempre uma nódoa, que na maioria das vezes ali fica sem nunca mais ter a beleza de outrora. É com as coisas, é com os humanos. É a vida com os dissabores que se ultrapassam de acordo com a sua natureza organizativa. 

As doenças sexualmente transmissíveis são abordadas, sem fazer disso um drama do fim do mundo, mas sempre como uma possibilidade latente nos comportamentos promíscuos com outros gajos. A razão sempre de usar proteção. Essa realidade não é ignorada. Fica-se com a sensação que as relações abertas são tão comuns. E são? É o momento que interessa, não o amanhã que nada se sabe, apenas viver o presente com o prazer a rebolar entre lenções ou simplesmente debaixo de um chuveiro. Quase que apetece dizer que a vida é reles. É só isto? Não tem mais nada?

Vivemos numa sociedade em constante transformação, experimentando várias valências, que no fundo não são novas, apenas reinventadas. Já vem do passado, de geração em geração, sempre à procura do seu ideal de libertação.

No “Toque Suave” se explora que é preciso ter cuidado com as desilusões, mas existem pontes ao alcance para delinear objetivos noutros caminhos.

Olhar para as pessoas e aceitar como elas são, deveria ser um desígnio do comportamento humano, deixa-las libertar-se preocupações relacionadas com preconceitos. 

Encontramos na prosa deste romance, poesia com palavras que nos fazem esquecer que o mundo está inundado de desgraças. Parece tudo tão fácil, mas quer queiramos ou não, é um viver sobre a futilidade, como se nada houvesse amanha, e que tudo termina aqui na materialidade da morte, e dizer ponto final. 

O livro está povoado de muito humor, por vezes mordaz. Tem sal e açúcar em ebulição que leva em alguns dos capítulos até ao orgasmo celestial. É bom auscultar o sentir da adolescência, os adultos que já passaram por lá, andam agora demasiado distraídos com o efémero e tem comportamentos perturbantes e suicidas.

O autor quis com este romance fazer um ensaio literário, pegando num tubo de ensaio, colocar lá dentro as palavras em bruto, e por ação de um agente de calor, fica a observar que da fumaça resultante, surgem novas combinações filosóficas. Platão é uma inspiração, foi para este romance, é um campo basicamente filosófico onde a teoria toca a realidade, mas a realidade é por vezes o somatório materializado de muitas teorias. Mas isso fica para outras abordagens.

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Texto e Foto: © João Eduardo

Página de Francisco Pascoal: Aqui


1 comentário:

Anónimo disse...

Livro a pesquisar. Obrigado pela dica.