01/08/23

A Alma Trocada



Rosa Maria Bettencourt Rodrigues Lobato de Faria (1932-2010), poetisa e romancista, autora do romance “A Alma Trocada” apresentado em 2007. Carreira tardia, cerca dos 50 anos, mostrando todo o seu potencial acumulado ao longo de uma vida. Oriunda de uma família da aristocracia portuguesa, permitiu aproveitar com êxito essa condição. Habituamo-nos a vê-la a entrar nas nossas casas através de inúmeros programas televisivos de entretimento onde deixou na memória de todos nós uma senhora muito segura de si, cativando o publico em geral. Em 2007 aventurou-se com um romance onde a temática da homossexualidade masculina tem o papel principal através do protagonista Teófilo Mendonça (professor), que nos agarra do princípio ao fim num livro parco em páginas (187, na 1ªedição), que se pode levar para a praia ou para ao campo em férias. Com uma linguagem simples e acessível e com uma escrita muito própria, sem pontos finais. Explora as relações humanas, a profunda espiritualidade, a temática da morte e da adoção.  A trama, passa-me com um potencial casamento de Teófilo com a noiva arranjada pelos pais, as incertezas provocadas pela sua sexualidade, o encontro fortuito com Justino Trovoada (Tinito), casado e com filhos mas que viviam esta relação clandestina, que era a concretização sexual de Teófilo. Este assumiu a relação com Hugo que constituía um porto seguro para os seus dramas existenciais, a nefasta relação com os pais que não aceitava a sua sexualidade e uma Raquel que queria à força casar para ter acesso aos bens materiais da família. Não fosse a avó de Teófilo, que o acolheu e aceitou a sua condição, que poderia ter dado em suicídio, constitui ingredientes de leitura para trazer para dentro de todos nós reflexões profundas sobre problemas fraturantes da sociedade cheia de tabus e crenças e onde se institui a normalidade, não tendo em conta a realidade de cada um. Afinal a liberdade é apena uma palavra sublime onde os anormais se alimentam. De referir o tom poético de discorre de todo o texto.
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Cheiravas a feno e não sabias que o coração é um barco no tempo. Quando as aves do Verão demandarem o Sul virás devagar, abrirás a porta verde-escura e esperarás em vão pelo frémito do meu corpo. Não voltarei a passar o renque das azáleas, o muro onde o sol nasce, a chuva, para morrer nos teus braços. Edições ASA, Setembro 2007, p.164.
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Tinha pensado vir de comboio, só pela beleza de desembarcar no Cais do Oriente, envolto em nevoeiro, com as gaivotas a gritar tempestade a popa dos navios, uma saudade feita de neblina nos ossos, a ponte travestida de caravela, e a solidão de uma chegada incerta. Mas por fim achei melhor deixar-me de romantismos, de filmes de Hitchcock, de quadros impressionistas, e apanhar burguesmente o avião. Edições ASA, Setembro 2007, p.185.

Foto/Texto: João Eduardo
 

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