06/08/24

Marvin





O filme Marvin chegou-me às mãos em formato dvd. Produzido por Anne Fontaine, tem um pequeno leque de atores que tornam este filme brilhante, por atingir os píncaros da sentimentalidade. Desenrola-se na duplicidade de contar uma história de infância com a do palco de teatro na fase de adolescência e a transição para adulto. Não é uma simples história, é o retrato de uma realidade que atormenta milhares de Marvin pelo mundo fora. Diria que ali no desenrolar da ação um pouco de mim por ali vagueava naquelas palavras ditas, parece que de repente as recordações de outros tempos acordaram da hibernação. Marvin é um jovem que nasceu numa aldeia rural num agregado familiar pobre em França, onde a educação era escassa, a violência verbal era a ementa diária. A bebida, a má alimentação, a falta de trabalho organizado, ainda assim Marvin um jovem isolado conseguiu percorrer o seu caminho entre assédios explícitos sexuais tão comuns em idade escolar. 
O bullying permanente tão característico desta sociedade sem um futuro organizado, não fez vacilar o seu percurso, ainda que os professores confiassem e acreditassem nas suas capacidades intelectuais. Fica-se apaixonado e ao mesmo tempo odeia-se este filme pelas recordações num passado longínquo, mas cujas consequências prevalecem ainda em muitos aspetos da minha vida atual. Para mim diria que foi um murro no estomago, caracteriza bem  numa sociedade que não respeita nem se respeita a si própria. 
Uma sociedade assim não tem grande futuro, deambula nas conveniências, na moda inventada para entreter e consumir o efémero. A condição de homossexual, de excluído, de negro e afins, constitui uma forma de exilio compulsivo, onde não se respira liberdade, mas alimenta-se o ódio interior que acaba no caminho da droga, do álcool, do suicídio. 
Marvin é o reflexo de que a vida é constituída por vários equinócios temporais, onde reside o sufoco e quase não existe a chamada normalidade constituída pelo respeito e pela ética. Reinventa-se constantemente a vida, o dia de amanhã longínquo, quando a noite é passada entre o álcool, o sexo fortuito em troca de mais uns trocos que pobre não tem direito. 
Este é o mundo dos ricos, dos afortunados que exploram a seu belo prazer os corpos que lhes passam pelas mãos, tem todo o tempo do mundo. Não tem pressa, sabem que é fácil. É deprimente tudo isso, e também o é no filme, muito bem representado pelo ator principal e protagonista da história. 
Não é uma história de ficção, e se o fosse não conseguiria ser tão real. É preciso ser vivida para ser representada num palco de teatro perante um público que fica em silêncio a aguentar as lágrimas. Não é um filme para “paneleiros” mas para seres humanos que ainda conseguem pensar e colocar-se no lugar do outro. 
No filme paneleiro é uma coisa de degenerados, uma doença mental, conversa do pai para Marvin. É estonteante ouvir no presente tudo isso numa Europa que se diz civilizada, mas que continua a acumular e enjaular cada vez mais vítimas nos seus armários com os radicalismos instituídos  oficialmente no terreno com a conivência de todos nós. 
O retrato desenvolvido no filme é a um anónimo na vida, de um ser errante à procura de um afeto mas que só encontra refúgios escondidos onde reside a solidão.  Racismo, xenofobia e homofobia são os ingredientes principais em Marvin, o suficiente para provocar uma ingestão prolongada. Marvin é inspirado na obra autobiográfica "Acabar com Eddy Bellegueule", escrita por Édouard Louis aos 19 anos. No elenco, destaca-se o papel brilhante de Finnegan Oldfield, Gregory Gadebois e Isabelle Huppert.

João Eduardo 






10 outubro 2018

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