Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens » Fernando Pessoa «
31/10/22
John & George
28/10/22
Filme: Verão de 85
25/10/22
Livro: Nadar no Escuro
Acreditar
Podemos acreditar que tudo que a vida nos oferecerá no futuro é repetir o que fizemos ontem e hoje. Mas, se prestarmos atenção, vamos nos dar conta de que nenhum dia é igual a outro. Cada manhã traz uma bênção escondida; uma bênção que só serve para esse dia e que não se pode guardar nem desaproveitar. Se não usamos este milagre hoje, ele vai se perder. Este milagre está nos detalhes do quotidiano; é preciso viver cada minuto porque ali encontramos a saída de nossas confusões, a alegria de nossos bons momentos, a pista correta para a decisão que tomaremos. Nunca podemos deixar que cada dia pareça igual ao anterior porque todos os dias são diferentes, porque estamos em constante processo de mudança.
- Paulo Coelho -
Óbidos, 4Mai2020
24/10/22
Filme: Quando se tem 17 anos
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23/10/22
Toque Suave
Toque Suave, um cliché homoerótico, de Francisco Pascoal que nos informa ao que vem: “este livro é para adultos e descreve cenas sexuais explícitas”, logo na viragem da página 4. Mas é pelo lado de fora, ou seja, na contracapa que tem um pequeno texto descritivo do que constitui o presente livro: “Este livro explora vários clichés do estilo homoerótico e constrói arquétipos de jovens homossexuais do século XXI. É possível ler-se, neste romance, uma crítica ao conceito de amor em Platão”. Só esta explicitação é quanto baste para ficar a imaginar o que está lá dentro. São 21 capítulos na sua maioria de pura ereção. Isso mesmo. E não é preciso entrar em transe para se sentir quase identificado com aquela realidade, sobretudo se o leitor for homossexual. Aos outros pede-se respeito porque afinal a sua heterossexualidade também envergonhará muita família chamada exemplar. É que a grande maioria tem telhados de vidro, pelo que não estão isentos de inocência. Porventura alguns vão-se sentir autobiografados sem, contudo, terem contado nada a ninguém. Mas, Francisco Pascoal desempenha bem o papel de contar o que vai na real das vivências humanas, não importa até a idade em que as mesmas se passam, apesar deste romance se passar numa determinada faixa da adolescência. O líquido que se move na maior parte do cenário, é a água de uma piscina onde mergulham corpos que inspiram e fazem sonhar num redopiar de fantasias e mais fantasias por corpos quase impenetráveis ao toque, povoadas de espectativas por parte das personagens construídas. No imaginário veneram-se corpos bem constituídos, esbeltos e musculados, que são um bom elixir para preencher os momentos mortos da vida, enquanto se espera acontecer. Enquanto não acontece, imagina-se, e imaginação é o que não falta neste romance cujo título “Toque Suave” já por si nos dá um caminho que só através da leitura se pode descobrir se o mesmo se fica mesmo pelo suave. Depois do toque suave, devoram-se corpos escaldantes de desejo, onde se explora as carências emocionais tão características da condição humana e sobretudo, mais ainda mais do meio gay. Surgem pelo caminho inquietações e frustrações de personalidade, quando o objeto de desejo afinal é momentâneo, efémero, descartável.
As pessoas só querem desfrutar da propriedade do corpo enquanto tiver sabor e se associado a fama, torna-se o objeto apetecível, mas quando algo diferente aparece, sem escrúpulo, descarta-se e muda-se de hospedeiro onde povoam novas fantasias e de prazeres sem limites. A autoestima alimenta-se de egos desmedidos. A vulnerabilidade está a cada esquina, quando não se tomam medidas de equilíbrio. As relações são fúteis, e caracterizam-se por serem temporárias. No universo das personagens, povoam as ironias provocatórias e consentidas e ou premeditadas, consoante os interesses de cada personagem.
Procura-se construir a normalidade das relações eróticas e não só. Os preconceitos não empestam o conjunto das relações do romance, mas por outro lado, ajudam a corroer amizades malsucedidas.
Personagens que alimentam as dúvidas, cheias de indecisões, de apegos imaginários, e outras que são decididas, espontâneas, que concretizam com naturalidade os seus objetivos e são aglutinadores de grupo.
Neste romance também se explora o caminho a tomar acerca da sexualidade sem constrangimentos. Os adolescentes estão na mesma página de vida, por isso partilham as intimidades e aventuras com a maior naturalidade, sem se importarem muito com o mundo que os rodeia, não os incomoda o que pensam deles. Também impera o Universo dos fetiches, muito escondido na sociedade em geral, mas que neste romance surge povoado de naturalidade. Quem não tem os seus?
Vive-se, vivendo sem medo de ficar na solidão, basta ter amigos, sobretudo os que ficam para a vida. Temos também a exploração da ingenuidade de comportamentos promíscuos que resultam na contaminação da personagem principal, onde gira toda a história do romance. No melhor pano, cai sempre uma nódoa, que na maioria das vezes ali fica sem nunca mais ter a beleza de outrora. É com as coisas, é com os humanos. É a vida com os dissabores que se ultrapassam de acordo com a sua natureza organizativa.
As doenças sexualmente transmissíveis são abordadas, sem fazer disso um drama do fim do mundo, mas sempre como uma possibilidade latente nos comportamentos promíscuos com outros gajos. A razão sempre de usar proteção. Essa realidade não é ignorada. Fica-se com a sensação que as relações abertas são tão comuns. E são? É o momento que interessa, não o amanhã que nada se sabe, apenas viver o presente com o prazer a rebolar entre lenções ou simplesmente debaixo de um chuveiro. Quase que apetece dizer que a vida é reles. É só isto? Não tem mais nada?
Vivemos numa sociedade em constante transformação, experimentando várias valências, que no fundo não são novas, apenas reinventadas. Já vem do passado, de geração em geração, sempre à procura do seu ideal de libertação.
No “Toque Suave” se explora que é preciso ter cuidado com as desilusões, mas existem pontes ao alcance para delinear objetivos noutros caminhos.
Olhar para as pessoas e aceitar como elas são, deveria ser um desígnio do comportamento humano, deixa-las libertar-se preocupações relacionadas com preconceitos.
Encontramos na prosa deste romance, poesia com palavras que nos fazem esquecer que o mundo está inundado de desgraças. Parece tudo tão fácil, mas quer queiramos ou não, é um viver sobre a futilidade, como se nada houvesse amanha, e que tudo termina aqui na materialidade da morte, e dizer ponto final.
O livro está povoado de muito humor, por vezes mordaz. Tem sal e açúcar em ebulição que leva em alguns dos capítulos até ao orgasmo celestial. É bom auscultar o sentir da adolescência, os adultos que já passaram por lá, andam agora demasiado distraídos com o efémero e tem comportamentos perturbantes e suicidas.
O autor quis com este romance fazer um ensaio literário, pegando num tubo de ensaio, colocar lá dentro as palavras em bruto, e por ação de um agente de calor, fica a observar que da fumaça resultante, surgem novas combinações filosóficas. Platão é uma inspiração, foi para este romance, é um campo basicamente filosófico onde a teoria toca a realidade, mas a realidade é por vezes o somatório materializado de muitas teorias. Mas isso fica para outras abordagens.
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Texto e Foto: © João Eduardo
Página de Francisco Pascoal: Aqui
05/10/22
Teatro: Os três irmãos
Victor Hugo Pontes (Direção Artística)
Foi no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria que pude presenciar a peça “Os três irmãos”. Numa sala a meio gás de espectadores, ainda assim valeu a pena observar o trabalho em palco de três excelentes actores que encarnaram muito bem o texto escrito por Gonçalo M. Tavares. Depois das luzes apagadas, todos os sentidos se concentram num palco inclinado, onde se passa toda a tragédia familiar da morte. O que se vê é toda uma coreografia de corpos em movimentos contínuos, onde povoam espaços de silêncios, outros de música inteligentemente bem conseguida para que ficássemos cada vez mais atentos ao que se ia passar a seguir a cada representação. Esta representação em palco obriga a um duplo exercício, olhar em direção ao cenário de palco e ao mesmo tempo seguir a legendagem num pequeno dispositivo electrónico pendurado no tecto. Não se ouvem palavras com os ouvidos, vêem-se palavras com os olhos. Esta forma de narrativa, obriga-nos a estar atento a todos os movimentos que surgem no horizonte de todos os sentidos. Para além de quase tudo, o que me impressionou foi o ritual de morte e funeral simbolizado em torno de uma banheira de água onde os irmãos se lavaram, e no seu transporte pelo palco.
João Eduardo